Você sabe ou você sente?
Arthur da Távola
Você já reparou o quanto as pessoas falam dos outros?
Falam de tudo.
Da moral, do comportamento, dos sentimentos,
das reações, dos medos, das imperfeições, dos erros,
das criancices, ranzinzices, chatices, mesmices,
grandezas, feitos, espantos.
Sobretudo falam do comportamento.
E falam porque supõem saber.
Mas não sabem.
Porque jamais foram capazes de sentir
como o outro sente.
Se sentissem não falariam.
Só pode falar da dor de perder um filho,
um pai que já perdeu, ou a mãe já ferida
por tal amputação de vida.
Dou esse exemplo extremo porque ele ilustra melhor.
As pessoas falam da reação das outras
e do comportamento delas quase sempre
sem jamais terem sentido o que elas sentiram.
Mas sentir o que o outro sente
não significa sentir por ele.
Isso é masoquismo.
Significa perceber o que ele sente
e ser suficientemente forte para ajudá-lo
exatamente pela capacidade de não se contaminar
com o que o machucou.
Se nos deixarmos contaminar (fecundar?)
pelo sentimento que o outro está sentindo,
como teremos forças para ajudá-lo?
Só quem já foi capaz de sentir
os muitos sentimentos do mundo
é capaz de saber algo sobre as outras pessoas
e aceitá-las, com tolerância.
Sentir os muitos sentimentos do mundo
não é ser uma caixa de sofrimentos.
Isso é ser infeliz.
Sentir os muitos sentimentos do mundo
é abrir-se a qualquer forma de sentimento.
É analisá-los interiormente,
deixar todos os sentimentos de que somos dotados
fluir sem barreiras, sem medos,
os maus, os bons, os pérfidos, os sórdidos, os baixos,
os elevados, os mais puros, os melhores, os santos.
Só quem deixou fluir sem barreiras, medos e defesas
todos os próprios sentimentos, pode sabê-los,
de senti-los no próximo.
Espere florescer a árvore do próprio sentimento.
Vivendo, aceitando as podas da realidade
e se possível fecundando.
A verdade é que só sabemos o que já sentimos.
Podemos intuir, perceber, atinar;
podemos até, conhecer.
Mas saber jamais.
Só se sabe aquilo que já se sentiu.
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