Reservar vagas para negros e índios ou estudantes pobres nas universidadespúblicas não resolve uma injustiça histórica – e cria ainda mais problemas
Leandro Loyola, Nelito Fernandes, Margarida Telles e Francine Lima
Funcionário da Petrobras, o carioca Thiago Lugão, de 24 anos, é formado em engenharia de produção no Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet).Em 2002, ele foi classificado em 14º lugar no vestibular da Universidade do Norte Fluminense (Uenf), que tinha 20 vagas para o curso de engenharia de exploração e prospecção de petróleo. Lugão tirou 14,20 na prova de física, que valia 20. Ainda assim, viu concorrentes que tiraram 0,25 conseguir a vaga na sua frente, porque se declararam negros. Lugão foi um dos primeiros estudantes que fizeram vestibular na Uenf sob o regime das cotas raciais. "O sistema de cotas raciais é injusto. A cor da pele não quer dizer nada", afirma.
"Você não pode dar privilégio a alguém por causa da cor da pele. Meu avô era negro, e eu poderia me declarar pardo, até porque é difícil um brasileiro não ser pardo." Lugão estudou no Colégio Santo Agostinho, um dos mais tradicionais do Rio de Janeiro. Convencido de que sofrera uma injustiça, recorreu aos tribunais.
No ano passado, cinco anos depois, a Justiça decidiu que ele tinha razão. Mas Lugão já estava formado em outra universidade e pós-graduado. Hoje, ganha menos da metade que colegas formados no curso que ele queria. Lugão é um personagem típico da história recente do sistema de cotas raciais, implantado nas universidades estaduais do Rio de Janeiro e da Bahia.
Em tese, elas surgiram como uma tentativa de corrigir uma injustiça histórica " o desfavorecimento a negros e índios ", em meio a um sistema de educação pública de má qualidade. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado deve votar, ainda neste mês, um projeto que propõe expandir esse sistema e criar reservas de vagas com critérios raciais e socioeconômicos nas universidades federais.
Discutida como uma questão educacional, a instituição das cotas esconde seu real alcance para o país. Não se trata apenas de reparar injustiças contra estudantes negros ou índios. Se for aprovado na comissão e no plenário do Senado, o projeto criará a primeira lei racial do Brasil em 120 anos de história republicana. "A criação de cotas raciais não vai gerar problema para a universidade, mas para o país", afirma o geógrafo Demétrio Magnoli ele participa das discussões no Senado e escreve um livro sobre a questão racial.
"A partir do momento em que o Estado cria a raça, passa a existir também o racismo." O projeto do Senado é confuso, resultado de dez anos de alterações e da inclusão de outras propostas, fundidas com a original. O texto prevê a reserva de 50% das vagas nas universidades e escolas militares e técnicas federais para alunos vindos de escolas públicas. Diz, então, que metade dessas vagas " ou seja, 25% do total " deve ser destinada a estudantes com renda familiar equivalente a até um salário mínimo e meio.
Mas diz também que a porção de vagas reservadas para estudantes de escolas públicas deve ser destinada a negros e indígenas. A distribuição seria feita mediante a proporção dessas etnias em cada Estado, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O ministro da Educação, Fernando Haddad, afirma que é impossível aprovar o projeto como ele está redigido.
É fato que o Brasil conhece algumas formas de racismo. Negros costumam ser vítimas de discriminação, de preconceito velado, têm menos acesso a universidades e ao mercado de trabalho. São distorções graves, que merecem atenção. Mas a implantação das cotas é uma intervenção desajeitada num assunto delicado.
O Brasil não conhece as formas mais radicais e violentas de racismo. Somos essencialmente um país de mestiços, fruto da combinação entre europeus, índios e negros. De acordo com o IBGE, 49,7% dos brasileiros se declaram brancos, 42,6% se consideram pardos, mestiços, e 6,9% se dizem negros. A raiz da questão é que, como os Estados Unidos, o Brasil foi um país escravagista. Entre o início da colonização, em 1530, e a abolição, em 1888, milhões de negros escravos foram comprados na África por traficantes e vendidos no Brasil para trabalhar em fazendas e serviços domésticos.
O principal argumento dos militantes que fazem lobby pela aprovação das cotas raciais é que a herança da escravidão precisa ser reparada. Os negros brasileiros de hoje seriam descendentes dos escravos e, por isso, estariam muito atrás na corrida pelas oportunidades do mercado de trabalho. "As cotas têm de ser criadas porque os negros foram injustiçados", diz Frei David Raimundo dos Santos, da ONG Educafro, um dos mais ativos militantes pró-cotas. "Por causa dessa herança, até hoje quem vai à universidade é a classe média branca, não a população negra."
No ano passado, cinco anos depois, a Justiça decidiu que ele tinha razão. Mas Lugão já estava formado em outra universidade e pós-graduado. Hoje, ganha menos da metade que colegas formados no curso que ele queria. Lugão é um personagem típico da história recente do sistema de cotas raciais, implantado nas universidades estaduais do Rio de Janeiro e da Bahia.
Em tese, elas surgiram como uma tentativa de corrigir uma injustiça histórica " o desfavorecimento a negros e índios ", em meio a um sistema de educação pública de má qualidade. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado deve votar, ainda neste mês, um projeto que propõe expandir esse sistema e criar reservas de vagas com critérios raciais e socioeconômicos nas universidades federais.
Discutida como uma questão educacional, a instituição das cotas esconde seu real alcance para o país. Não se trata apenas de reparar injustiças contra estudantes negros ou índios. Se for aprovado na comissão e no plenário do Senado, o projeto criará a primeira lei racial do Brasil em 120 anos de história republicana. "A criação de cotas raciais não vai gerar problema para a universidade, mas para o país", afirma o geógrafo Demétrio Magnoli ele participa das discussões no Senado e escreve um livro sobre a questão racial.
"A partir do momento em que o Estado cria a raça, passa a existir também o racismo." O projeto do Senado é confuso, resultado de dez anos de alterações e da inclusão de outras propostas, fundidas com a original. O texto prevê a reserva de 50% das vagas nas universidades e escolas militares e técnicas federais para alunos vindos de escolas públicas. Diz, então, que metade dessas vagas " ou seja, 25% do total " deve ser destinada a estudantes com renda familiar equivalente a até um salário mínimo e meio.
Mas diz também que a porção de vagas reservadas para estudantes de escolas públicas deve ser destinada a negros e indígenas. A distribuição seria feita mediante a proporção dessas etnias em cada Estado, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O ministro da Educação, Fernando Haddad, afirma que é impossível aprovar o projeto como ele está redigido.
É fato que o Brasil conhece algumas formas de racismo. Negros costumam ser vítimas de discriminação, de preconceito velado, têm menos acesso a universidades e ao mercado de trabalho. São distorções graves, que merecem atenção. Mas a implantação das cotas é uma intervenção desajeitada num assunto delicado.
O Brasil não conhece as formas mais radicais e violentas de racismo. Somos essencialmente um país de mestiços, fruto da combinação entre europeus, índios e negros. De acordo com o IBGE, 49,7% dos brasileiros se declaram brancos, 42,6% se consideram pardos, mestiços, e 6,9% se dizem negros. A raiz da questão é que, como os Estados Unidos, o Brasil foi um país escravagista. Entre o início da colonização, em 1530, e a abolição, em 1888, milhões de negros escravos foram comprados na África por traficantes e vendidos no Brasil para trabalhar em fazendas e serviços domésticos.
O principal argumento dos militantes que fazem lobby pela aprovação das cotas raciais é que a herança da escravidão precisa ser reparada. Os negros brasileiros de hoje seriam descendentes dos escravos e, por isso, estariam muito atrás na corrida pelas oportunidades do mercado de trabalho. "As cotas têm de ser criadas porque os negros foram injustiçados", diz Frei David Raimundo dos Santos, da ONG Educafro, um dos mais ativos militantes pró-cotas. "Por causa dessa herança, até hoje quem vai à universidade é a classe média branca, não a população negra."
0 comentários:
Postar um comentário